Criar, um assunto de Lilith

O mundo está cheio de mulheres que gostariam de se expressar artisticamente mas travam em seus mandatos internos, seja por crenças limitantes ou eternos adiamentos. Mas ainda bem que há mulheres como a artista plástica Eleonora Graebin. Em seu atelier de arteterapia em Porto Alegre, ela estimula as pessoas a se manifestarem livremente através desta forma de cura amorosa e colorida, que apresenta uma interface múltipla entre conhecimentos de psicologia, arte e educação.
“Hoje, as mulheres que vivenciaram a opressão”, afirma, “e justamente por isso mantiveram lá no fundo sua parte bruxa bem escondida, a intuição forte, a perspicácia, a vontade de transformação, são quem buscam a cura, procurando os antigos caminhos de sabedoria para transformar suas vidas, amar seus homens e criar seus filhos. Quando a mulher relembra sua força, seu poder de criação, reconecta com a vida maior e modifica seu entorno”.
Quanto mais der vazão às idéias criativas, materializá-las escrevendo, dançando, pintando, cozinhando, desenvolvendo projetos inovadores, solidários, cooperativos, mais a mulher se coloca no mundo como transformadora, criadora em potencial de um mundo harmonizado, amoroso, um mundo de arte.


Quem nunca se reconheceu como criativa ou talentosa, pode ser capaz de encontrar suas formas pessoais de expressão, revelar as suas subjetividades, realizar prazerosamente, evoluir com a prática e dedicação? É claro que sim, e acontece.
No meu dia-a-dia de trabalho, passo algumas horas incentivando as alunas a olharem com amor para suas criações nas artes plásticas, aceitando suas produções e acreditando no que materializam. Convivo com os bloqueios criativos, as autocensuras e me vejo ali espelhada…
Como temos dificuldades para iniciar atividades criativas! Quantos adiamentos diante da folha de papel ou da tela do word! Como é difícil chegar até o curso de dança, na aula de pintura ou dedicar-se àquele texto que queremos escrever - como se não tivéssemos algo pertinente para dizer, para mostrar ao mundo...
A falta de tempo, a inibição, os adiamentos, os outros (tantos!) compromissos muitas vezes falam mais alto e então se escuta: "quando eu tiver tempo, quando eu entrar em férias, quando eu me aposentar", e seja lá o que mais tiver para concluir… antes!
O que sabota, o que impede de levar adiante alguns projetos que podem fazer a diferença no rumo de nossas vidas?

Todas nós, acreditemos ser criadoras - Eu acredito muito no símbolo - seja na mitologia, seja na arte, seja no ritual – pois, com sua face lúdica, promove mudanças de forma suave e ao mesmo tempo muito profunda. E por isso, lembro-me da Lilith, a lua negra.
Lilith é uma personagem mitológica cujas origens se perdem na lembrança. Com uma biografia nebulosa, resultado das misturas de relatos de vários povos, simboliza a mulher que foi insubmissa e, por isso, expulsa do paraíso para um lugar maldito. Lá foi condenada, por sua insubordinação, a ter todos os seus filhos mortos. E ela tinha cem filhos por dia, e os cem filhos morriam a cada dia... Condenada pelo masculino, continuou para sempre vendo suas criações/filhos morrendo antes de vicejar.
Sabemos que a capacidade de pensar com clareza e discernimento está ligada à capacidade de sentir, a conexão com a verdade interior. Se trouxermos à luz os nossos componentes femininos que permanecem inconscientes, vamos perceber que estiveram lá no fundo, como sombras, sabotando nossas atitudes criadoras. Como Liliths, matando cem filhos por dia...
Esse feminino negativo pode muito bem ser o que renega as nossas criações. Aparece como sombra, parte de nós difícil de ser visualizada e assumida. Mostra-se como a raiva, o ressentimento, o bloqueio, a destruição dos projetos positivos.
Pois Lilith é uma força do feminino. Que se rebela, que se opõe, que consegue ser cruel e sabotar nossas atitude criadoras, quando na sombra, quando não reconhecida...

Mas Lilith, quando conscientizada, reconhecida e integrada, aceita como força e poder criativo, tem a capacidade de nos trazer energia, talentos e transformações. Assim pode realizar amorosamente, sem competições, sem comparações, permitindo acessar os talentos que ficaram aprisionados atrás da maldição.
Podemos dizer que a criatividade encontra-se na parte yin da mente, no lado direito do cérebro onde se desenvolve o pensamento divergente - que se abre para infinitas possibilidades - sem ficar preso a uma única resposta ou solução. Portanto, ao criar, todas as pessoas estão liberadas para expressar-se e contribuir com sua essência.

Hoje, as mulheres que vivenciaram a opressão e justamente por isso mantiveram lá no fundo sua parte bruxa bem escondida, a intuição forte, a perspicácia, a vontade de transformação, são quem buscam a cura, procurando os antigos caminhos de sabedoria para transformar suas vidas, amar seus homens e criar seus filhos. Quando a mulher relembra sua força, seu poder de criação, reconecta com a vida maior e modifica seu entorno.
Quanto mais der vazão às idéias criativas, materializá-las escrevendo, dançando, pintando, cozinhando, desenvolvendo projetos inovadores, solidários, cooperativos, mais ela se coloca no mundo como transformadora, criadora em potencial de um mundo harmonizado, amoroso, um mundo de arte!
Refletindo, a minha esperança é auxiliarmos na expansão da definição de criatividade, abandonando definitivamente as sentenças: "talentos reservados a poucos", "isso não é pra mim" ou "eu gostaria, mas não tenho criatividade". Para que cada vez mais as pessoas comuns, iguais a nós - todas nós - acreditemos ser criadoras. Nossa criatividade é viver da alma, é desenhar a vida a partir do ponto de vista de nossos desejos mais profundos e de nossos belíssimos talentos.
E façamos! De mãos dadas com Lilith!

Eleonora Graebin
Arteterapeuta, artista plástica e arte-educadora
http://pintandoavida.blogspot.com
eleonoragraebin@gmail.com
PORTO ALEGRE/RS


Fotos
Arquivo pessoal

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