Mas, felizmente, movimentos de consciência muito recentes estão, aqui e ali, auxiliando as mulheres a recontatarem com naturalidade seus mistérios dos ciclos de sangue. E o Absoluta faz muita questão de dar visibilidade a essas agentes da transmutação de paradigmas, como é o caso de Sabrina Alves, focalizadora paulista, que aqui nos conta como a consciência menstrual funciona enquanto poder de transformação individual e social.
Sthan Xannia
Depois de tanto tempo escondendo as entranhas, quantas mulheres atualmente deixaram de observar o fluxo e refluxo dos ciclos do próprio corpo? Quantas deixaram de conectar-se com as forças devastadoras e brandas da natureza, abandonando o recolhimento, a contemplação, a profundidade e a riqueza do momento da menstruação, do tempo de Lua? Quantas de nós se esqueceram de se amar e de amar ao próximo? Tantas que apostam que a felicidade vem do parceiro ideal, do trabalho idealizado...
Estas deixaram de honrar seus caminhos sagrados e suas reais habilidades e talentos, e, da mesma forma, a contraparte feminina do homem vaga por entre relações vazias ou senão amedrontadas.
Filhas e filhos de um sistema patriarcal que desconsidera a mudança/processo/transformação; o mistério e a beleza dos ritos femininos como parte do Todo.
Resultado disso é a supervalorização do racional e conseqüente rejeição de tudo aquilo que chamam de não-racional, como a intuição. E esta era passada de mãe para filha, de geração para geração, num poder de bênção, garantindo o conhecimento dos Mistérios de Sangue.
Esse poder, que é a intuição, assume a velocidade da luz conferindo visão interior, audição suprafisica, percepção e conhecimento interior. Mas este poder passou à sensação desmerecida e, em seguida, foi soterrado pelo descrédito e falta de uso.
O abandono desses valores psíquicos deu cabo aos ritos de iniciação femininos. Transformaram os "misteriunns continunn" em visões de aberrações, onde a menstruação passou à vergonha, a sexualidade para atos demoníacos, em seu pior significado, a gravidez causa de morte de muitas mulheres, e o climatério - momento de profunda sabedoria-, ganhou diagnósticos de loucura.
Claro que hoje algumas considerações devem ser feitas, a menstruação que era vergonha ganhou remédio - suspende-se -, e a pressa agora é para se tornar mulher; o sexo não é mais do demônio, mas virou corriqueiro, sem cheiro, sem rituais, sem perfumes, sem sabor e sem respeito; a gravidez, para muitas que cresceram rápido, sem se dar conta da fase em que estavam iniciando, virou medo e depressão pós-parto; e no momento de sabedoria do climatério, a mulher que antes tinha pressa para ser mulher, agora tem vergonha da "barriguinha" que apareceu com a idade e a Donzela enclausurada prefere o corpo sarado da menina de 18 anos e, desta forma, melhor retardá-lo, com injeções de hormônio, para ainda despertar interesse no sexo oposto pelos feromônios e não pelo enigmatismo e sabedoria adquirida.
Esta ênfase no racionalismo e a cisão de um relacionamento autônomo com o Divino, com o espírito, serviram para separar a mulher de um relacionamento profundo com seu ciclo menstrual. Grande parte da força psíquica da mulher está ligada aos seus ciclos - os mistérios de sangue -, e, se ignorarmos este período e falharmos no reconhecimento de seu enorme valor, perderemos o contato com a riqueza da experiência feminina, afinal, um dos privilégios de ser mulher é o acesso a outros mundos, que se torna mais evidente durante o período pré-menstrual e a própria menstruação. Este limiar abre a mulher para as suas próprias habilidades psíquicas.
Processos dolorosos de ser mulher - O Sangue está intrinsecamente ligado às emoções, o nosso o oceano interno. E o lidar de forma aberta e clara com essas emoções, se formos analisar pelo viés arquetípico/mitológico, foi colocado embaixo do tapete. No caminhar da mitologia, as Deusas encerravam nelas mesmas, a parte superior e inferior, morte, renascimento, criatividade, combatividade, ou seja, todos os possíveis atributos mas, com a dominação das tribos de visão de mundo pessimista, tudo que era Solar, "acima" foi deposto e passado para figuras masculinas. Claro, mais tarde eles ganharam irmãs e primas Deusas, e se fossem amantes, desciam: submundo!
Os ritos de passagem trazem uma descrição que enfatiza tanto a força física como o desenvolvimento de caráter. Em linhagens antigas, era considerado importante que uma mulher fosse capaz de demonstrar sua capacidade para a paciência e a perseverança. Este tipo de ensino parece bastante adequado e não existe em nosso mundo moderno.
Ao contrário, a iniciação de nossas meninas mostra-se bem superficial e frágil: aprende-se a tomar anticoncepcional, usar o primeiro sutiã e o tampão pela primeira vez. Resultado disso, mulheres se casam e engravidam sem ter qualquer noção de sua própria capacidade de resistência, física ou psicológica. E, claro, assim, muitas optam por dar à luz com auxilio de analgésicos e de uma tecnologia que lhes privem de experimentar a sua própria força, e, mais que isso: privam seu rebento de vir ao mundo realmente querendo nascer e tendo sua primeira experiência de sobrevivência. Esta ausência de desafio e fortalecimento na puberdade pode também contribuir para a falta de auto-estima que aflige tantas jovens e provoca distúrbios e vícios alimentares.
Para a maioria das mulheres, a raiz da sua infelicidade está em um relacionamento doloroso com os processos de ser mulher. São treinadas para não transparecer que estão menstruadas. É preciso entender que, quando a o útero e a menstruação são vistos apenas como uma necessidade biológica desconfortável, a auto-estima das mulheres é correspondentemente baixa. Infelizmente, o valor que atribuímos à nossa menstruação está direta e proporcionalmente ligado ao valor que relacionamos a nós mesmas enquanto mulheres.
Então, sentir dores ou não, vai depender se, durante os dias que se seguiram à ovulação, você se permitiu morrer diariamente. Se, ao final do dia, você apagou os registros que não lhe serviram, se você, se nós soubemos transmutar o desentendimento no trabalho, a briga com o companheiro (a), com a família, enfim: o importante é saber se perceber. Nisso, a Deusa Ártemis tem muito a nos ensinar, pois a liberdade por ela pregada diz da liberdade sobre nossos corpos, e isso acontece quando sabemos exatamente aquilo que se passa em nosso submundo, nas nossas relações e, ainda, de compreendermos que a forma que usamos para lidar com isso afeta tudo a nossa volta.
Além do mais, existem fatores patológicos, falta de cálcio, disfunções hormonais, má alimentação... mas fica a pergunta: onde tiveram inicio essas desarmonias? Ou seja, feridas não resolvidas e, muitas vezes, nem mesmo percebidas e aceitas. E nelas incluo as feridas hereditárias, vindas de nossos antepassados. Isso baixa a imunidade, isso causa problemas ginecológicos, câncer e uma série de caminhos doloridos.
Contudo, como sempre observou Jung, nada na psique se perde, segundo ele, podemos ter a confiança de que tudo o que foi perdido durante o caminhar ainda esta lá.
Precisamos ouvir a Velha guardiã da sabedoria interna, aquela que traz consigo toda a sabedoria celularmente intrínseca para o resgate sadio na nova mulher planetária.
É urgente adquirir respeito pela revelação pessoal, espiritual e dos ciclos femininos, que são a representação micro da ciclicidade macro de Gaia. A característica mutante da mulher presente desde a pré-história revela, hoje, ser a grande chance para a reintegração das perspectivas femininas no pensamento da corrente dominante. E é claro que consciência ecofeminista é a via política e ativista para garantir a consciência dos ciclos femininos.
A menstruação é parte integral do desenvolvimento da espiritualidade das mulheres, tanto no plano individual como no coletivo. Para as mulheres, enquanto indivíduos, a valorização do poder da menstruação é fundamental para a nossa capacidade de atingir essa "Velha que sabe", essa Deusa Interior. E, ainda, um respeito que promova a imparcialidade pelo feminino em todas as suas ramificações e manifestações, o que significa dizer que se estendem também ao lado feminino dos homens, tão carentes quanto as mulheres de reconhecimento da sacralidade feminina. Reconhecer-se assim trará noção de Totalidade, de santidade para você, para o outro, para o mundo.
"Quando menstruo, fica instaurado o meu tempo sagrado de mulher!"
Sabrina Alves
Jornalista, artista plástica, terapeuta e focalizadora de círculos femininos
http://cladosciclossagrados.multiply.com
cladosciclossagrados@yahoo.com.br
SÃO PAULO/SP
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