Mover-se dançando em direção à vida!!!

Criança pula, se atira no chão, planta bananeira. Adultos acham bonitinho mas não se permitem mais a essa mesma alegria. Preocupados com as ilusões do que seja ou não ridículo, estagnamos e mofamos. Perdemos vitalidade e flexibilidade. Estamos meio mortos mas Rute Rodrigues, psicóloga e focalizadora de biodanza, nos chama pra vida, contando que dançar é readquirir intimidade corporal, e esta é a grande chave mágica do movimento. Quando nos oportunizamos dançar em público, temos a chance de vencer as barreiras da identificação alheia, para sermos idênticos a nós mesmos e crescermos. E, quem sabe, juntarmos outros corajosos, outros inteiros para a dança da vida.

Algo que nos consome: a retidão dos corpos... nossa emoção congelada pelo privilégio do pensar, as marcas deixamos se endurecerem em nossa tensão corporal... quando fluímos, quando movemos em direção ao suave, ao tranqüilo? Ah, quando tentamos dormir? Mas aí estamos semi-parados! E, semi-parados, seguimos em cima de saltos altos ou engravatados, caminhando pelas ruas apressados em carregar este corpo que resolveu vir junto com a alma ao mundo. Ele vai como apêndice dos pensamentos, que nos carregam, geralmente, para longe dali. Ops, olha o carro, vira ali, entra adiante. Pausa para localizar-se. E, em seguida, voltamos a desligar os sentidos para ligar o mental.
Nossos corpos domesticados passam a reproduzir movimentos. Só o movimento aprendido e estandartizado é permitido. Não há permissão para pular, rodar, rodopiar, saltar, virar minhoca (movimento sinuoso). A pessoa se sente inadequada se não fizer o movimento padrão. Fica diante do ridículo. Criança até 5, 6 anos, não sabe o que é isso. Ela corre e pula se quer. Bate pés, se sacode quando ouve música que gosta. Ri de rolar no chão. Ah, rola no chão. Planta bananeira para experimentar ver o mundo de outras maneiras. Se joga no chão, e curiosamente não se machuca, sabe cair. Achamos lindos, nós, os adultos... mas criança pode, adulto não pode, é ridículo. Às crianças estão permitidas as vivências. O movimento surge da interação espontânea, longe dos conceitos entre certo e errado, ou bonito e feio - que a noção moral carrega e nomeia de ridículo. O julgamento do ridículo é uma prisão, algema da alma. Tanto faz se somos nós ou os outros que julgam.

Nossas cadeias são fortalecidas pela culpa e pelo medo de inadequação que o ridículo nos oferece. Seguimos acomodados sem abrir mão de ultrapassá-lo e alcançar algum tipo de êxtase no movimento. Permanecemos reproduzindo movimentos que vão perdendo sentido, alimentando mal-estar sem ao menos saber que ali ele está localizado... mas não nos soltamos, não nos permitirmos. Talvez nem passe pela cabeça, que ironia!

Prazer? Às vezes - E ficamos ali - "Todo dia ela faz tudo sempre igual..." - presos nas nossas pseudocertezas corporais. Perdemos-nos da inteireza, pois vamos vivendo separados, a cabeça ordenando o organismo, esquecendo que cabeça é organismo e este, parado, adoece. A vitalidade vai embora, a pulsação fica restrita a comer e dormir. Prazer? Às vezes sexual e digo, genital, pois tão localizado, o organismo tão estratificado que os genitais ficam super responsáveis pelo prazer, e por vezes até "falham" diante de tanta pressão. Sem dançar, sem mover, perdemos a intimidade com nossa localização material, orgânica. Perdemos em intimidade conosco. Perdemos a amplidão espacial. Dançar é readquirir intimidade corporal. É deixar de ir onde a cabeça quer, e ir onde o movimento nos leva a partir da integração ouvir o som/sentir/e agir. É transformar-se na música, perder limites, é entrega. Dançar é co-criação: música e movimento autêntico, unitário, identificador. Tem a coreografia, legal. Mas e o teu movimento, a tua expressão, qual é? Qual a permissão que você oferece para sentir mais, mover-se seguindo a intuição entre som e gesto? Aí vamos além, aí nos experimentamos profundamente em liberdade, sem amarras.
Dançar perdendo-se na música é a grande possibilidade de se encontrar, consigo, com a vitalidade, com o pulsar do coração... imagine, ouvir o coração, ouvir um novo som que sai de dentro da gente, mas que estamos surdos se ele não se acelera. Criar uma nova dança que quebre o ritmo da repetição maquinal sem fim e reestabeleça novos ritmos, orgânicos. Não precisa ser algo explosivo, se bem que também pode ser. Podem ser movimentos lentos, tônicos, suaves e redondos. E ali, na tranqüilidade do gesto, podemos sim ouvir nosso pulsar, nosso organismo, nosso ser, informando: estou vivo!
Se precisamos estar trancados no banheiro para fazer caretas, dançar e cantar. Se reservamos ao chuveiro nosso momento de ser. Se precisamos da licença do privado que nos afasta do olhar do outro, que traduz nosso próprio olhar. Se ainda estamos com vergonha de nós mesmos, ok! Vale o exercício. Mas quando nos oportunizamos dançar em público, quando nos arriscamos a compartilhar nosso movimento ao olhar alheio, temos a chance de vencermos o ridículo. De vencermos as barreiras da identificação alheia, para sermos idênticos a nós mesmos e crescermos. E, quem sabe, juntarmos outros corajosos, outros inteiros para a dança da vida.

Rute Rodrigues
Psicóloga, Esp. Arteterapia, Biodanza, Esp.Terapia de Famílias e Casais, Dinâmica dos Grupos, Ludoterapia.
Atende em consultório clínico e desenvolve atividades em grupos para pessoas em busca de melhor qualidade de vida afetiva.
rutepoa@terra.com.br
PORTO ALEGRE/RS


Foto: Stella Brazil, clicada por Clau Fogolin; ambos fotógrafos de Maringá, PR
http://www.flickr.com/photos/stella_foto
Topo:
Facebook


Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
Série Temática Edição Absoluta/Casa. Coordenação e Design: RICARDO MARTINS.