As faces da Ecologia Pessoal

Ecologia não é apenas a Natureza ou algo fora de nós. Como seres vivos, também somos o próprio meio ambiente e tudo o que fazemos interfere diretamente na rede ecológica do Todo. Ainda assim, a subjetividade humana constrói uma ecologia interior, pessoal, e nossas relações sociais erguem por si uma ecologia relacional.
É disto que nos fala a educadora ambiental Taís Fonseca. Graduada em Educação Física, pós-graduada em Arteterapia, além de artista, terapeuta e professora de Yoga, Taís trabalha na ONG Fundação Gaia - legado do ecologista José Lutzenberger - como voluntária, educadora ambiental e consultora, associando as diversas artes e práticas corporais ao contexto da ecologia do ser humano, adotando a ética do cuidado em suas diferentes esferas, consigo, com o outro e com a natureza. Neste texto, nos fala de artes corporais e o que elas têm a ver com relacionamentos enquanto ferramentas de sintonia com a Ecologia Pessoal e Humana, e o que isto tudo se reflete num nível planetário.


Vivemos constantemente com inúmeras oportunidades de utilizar o nosso cotidiano para percebermos o mundo e todas as relações com olhos positivos ou negativos. A forma como olhamos o mundo depende de como conseguimos observá-lo, a partir do ponto de vista que alcançamos, seja em experiências positivas e prazeirosas, como em experiências negativas e dolorosas. Quando observamos a nossa relação conosco, com os outros, com as estruturas sociais e com a natureza, vemos refletir a nossa condição de harmonia ou desarmonia com o que nos cerca. Esse enfoque de educação ambiental que desenvolvo busca ampliar a noção de ecologia para além de uma visão e prática externa, de cuidados com o ambiente, ecossistemas, reciclagem, etc, onde nos vinculamos às ações que reduzam o impacto ambiental e favoreçam os sistemas naturais como um todo.

Existe uma oportunidade de refletir sobre o ambiente, que começa com o nosso mundo interno, vasto e profundo, muitas vezes desconhecido. Essa face da ecologia podemos chamar de ecologia pessoal, ecologia humana, ecologia da mente. Lembrando que o ambiente planetário é composto por todas as nossas individualidades, e o modo como encaramos a vida cotidiana pode ser uma potente ferramenta de pacificação dos conflitos mundiais, que vai desde o extremo das guerras e disputas sem sentido até a nossa relação conosco mesmo.

Com a intenção de ampliar a consciência ambiental e planetária numa direção positiva e responsável, essa proposta de trabalho procura oferecer atividades que envolvam as Artes Corporais e a relação com a natureza, onde através da experiência lúdica, prazeirosa e reflexiva, possamos desenvolver um corpo consciente e integrado, agindo como protagonista desta ampliação de consciência a favor do planeta.

O que são as Artes Corporais? - Pra começar, gostaria de lembrar que a arte não é apenas para os artistas, é uma forma de acrescentar beleza, encanto e alegria a tudo o que fazemos. A prática da arte no cotidiano é um meio através do qual as pessoas exploram e penetram numa fonte universal de criatividade - a mesma fonte da vida. A maior e mais elevada forma de arte é fazer de nossas vidas uma obra de arte.
As Artes Corporais se expressam nas diferentes formas de atividade corporal, de origem diversa, que objetivam preservar o equilíbrio dinâmico do corpo em movimento, sua unidade psicossomática, saúde, beleza, graciosidade, harmonia e funcionalidade, sejam a partir da interiorização, a partir das relações com outros seres, ou em direção a uma consciência planetária, cósmica e universal.
Diversas Artes Corporais trazem essas qualidades. Vindas de todos os lados do globo terrestre, dentro de diferentes contextos culturais e períodos da história da humanidade, trago para essa prática também elementos da Hatha Yoga, que nos sensibiliza em direção ao auto-conhecimento, liberação do fluxo da energia vital corporal e religação com a consciência da Unidade, a dança circular sagrada, unindo todos pelas mãos, na roda da vida e das relações, os jogos corporais cooperativos e expressivos, as diversas formas de meditação, estática e dinâmica, trazendo o foco da consciência para o momento presente, as artes de cura (auto-massagem) na intenção de oferecer a possibilidade de cuidar de si e dos outros, entre outras.
Reconheço que esses diversos caminhos e ferramentas práticas podem conduzir o ser humano a uma maior integração de todos os seus aspectos aparentes e sutis, corpo, emoções, mente e dimensão espiritual. Como relata a autora Lola Brikman, em seu livro A Linguagem do Movimento Corporal, "cada pessoa deve ser importante em si mesma. É preciso conhecer seu processo individual e ajudar seu desenvolvimento a partir dela mesma." (BRIKMAN, 1989, pág. 15).
Nesta proposta de Artes Corporais, as vivências são organizadas a partir de uma visão da ecologia pessoal, ou como Guatarry classifica como sendo os três registros ecológicos, a saber: a subjetividade humana, ou ecologia interior; as relações sociais, ou ecologia relacional e o meio ambiente; ou ecologia ambiental, unindo práticas e reflexões sobre a existência humana em busca de uma maior consciência de sua ação individual e planetária.
Reavivar essa memória cognitiva e afetiva para o bem-estar de si mesmo e de todos os seres, abrindo um espaço para o desenvolvimento da escuta individual, começa por relembrar dos nossos sonhos, da nossa motivação para o bem viver, e do potencial de auto-realização que existe em cada ser humano, pacificando nosso mundo interno e agindo no mundo externo, a favor do bem estar de todos. Esse seria um bom propósito para a humanidade, não seria?
Sendo o ser humano muito mais do que um aglomerado de peças desconectadas, como lidar com as emoções perturbadoras cotidianas, que criam obstáculos para a manifestação do cuidado em relação à vida como um todo? Através das Artes Corporais, surge a possibilidade de conscientização pessoal e, a partir desta, construir uma cultura corporal a favor do desenvolvimento do potencial humano, auto-realização e autoconhecimento, bem como a capacidade de tornar consciente e administrar os conflitos e perturbações de forma positiva, em direção a uma nova ética vivencial, onde valores humanos mais harmônicos e íntegros regem a construção de uma cultura de paz permanente, em equilíbrio com o processo evolutivo do mundo natural e do ambiente em transformação.

"Está errada a imagem vigente na nossa cultura do corpo exclusivamente como escultura. O corpo não é de mármore. Não é essa a sua finalidade. A sua finalidade é a de proteger, conter, apoiar e atiçar o espírito e a alma em seu interior, a de ser um repositório para as recordações, a de nos encher de sensações - ou seja, o supremo alimento da psique. É a de nos elevar e de nos impulsionar, de nos impregnar de sensações para provar que existimos, que estamos aqui, para nos dar uma ligação com a terra, para nos dar volume, peso. É errado pensar no corpo como um lugar que abandonamos para alçar vôo até o espírito. O corpo é o detonador destas experiências. Sem o corpo não haveria a sensação de entrada em algo novo, de elevação, altura, leveza. Tudo isso provêm do corpo. Ele é o lançador de foguetes. Na sua cápsula, a alma espia lá fora a misteriosa noite estrelada e se deslumbra." (Citação: Mulheres que correm com os lobos - Clarissa Pinkola Estes - pág. 259)

Se ampliarmos nossa linguagem, poderemos enxergar diferentes horizontes. Ao dar significado à prática corporal e atribuir valores que possam ser levados do corpo para a vida, com o entendimento que passa pelo cognitivo/experimental, surge a possibilidade de ser construída uma nova cultura corporal, a partir das artes, do cuidado e da ação integrada do indivíduo com a grande mente coletiva, ou seja, a sociedade planetária e evolutiva.

"Um ser humano é parte de um todo que chamamos 'O universo', uma parte limitada no espaço e no tempo. Ele sente a si próprio, seus pensamentos e emoções, como algo separado do resto - um tipo de ilusão de ótica da consciência. Para nós, essa ilusão é uma espécie de prisão, restringindo-nos a nossos desejos e afeições pessoais para algumas pessoas mais próximas. Nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compreensão e compaixão, de modo que possa incluir em sua beleza todas as criaturas viventes e a totalidade da natureza." (Albert Einstein)

Ao prejudicar outros seres ou o ambiente natural, prejudicamos a nós mesmos - De que vale a educação dos sentimentos num contexto de ecologia humana?
Quais sentimentos podemos elencar, que nos inspirem em um caminho de integração e senso de pertencimento com a natureza?
Como foi que a humanidade chegou ao ponto onde se encontra agora? Quais as emoções predominantes em nosso contexto social e cultural atual?
Talvez a nossa desconexão com o ritmo e movimento da Terra tenha limitado nossa compreensão de como funcionam os ciclos da vida, trazendo aflições compartilhadas pela espécie humana. Somos a única espécie vivente que não sente a profunda interdependência com todos os ciclos e seres vivos ou não vivos, e também a única capaz de gerar um grande dano planetário, de forma acelerada e fulminante.
Nossos conflitos internos e falta de habilidade em lidar com os sentimentos, aflições e dificuldades se tornam nossos conflitos externos, no nível coletivo e planetário, tornando-se um reflexo de nossa realidade interna desarmonizada e doente. Refletindo sobre isso a partir da mente ecológica, os três níveis de ecologia não estão dissociados; portanto, quando aprendemos a lidar com nosso mundo interno, subjetivo e pessoal, podemos desenvolver a compreensão do mundo interno de outros seres, melhorando assim a relação com o outro, e conseqüentemente, estendendo essa compreensão em relação aos seres de outras espécies, ao ambiente e ao planeta como um todo.
Tomar consciência de que a cura do indivíduo é parte da cura do planeta é uma forma de entender que o que fazemos de bom e benéfico para nós, se reflete na vida comum. O inverso também é verdadeiro. Por isso, surge o conceito de Responsabilidade Universal, que pode servir de âncora para esse novo modo de pensar e agir no mundo. Por Responsabilidade Universal entende-se, segundo S.S Dalai Lama, a capacidade que possuímos de compreender nossa co-existência e origem comum a todos os seres e, a partir disso, não gerar nenhum dano ou sofrimento a nenhum ser, pois ao prejudicar outros seres ou o ambiente natural, prejudicamos a nós mesmos. Em seu texto intitulado "O princípio da Responsabilidade Universal", ele traz a seguinte reflexão:

"A solução só é possível se basear-se numa abordagem que transcenda as exigências egoístas e regionais. A confrontação direta com a universalidade de nossa condição, e com a unidade fundamental de nossas necessidades e desejos, é vital para o nosso sucesso."

Assim, cada oportunidade de participar ativamente desse processo vital enquanto planeta, implica em que possamos participar ativamente de nossa própria cura, fazendo de nossa caminhada planetária uma caminhada de reconhecer a nossa natureza humana inseparável de todos os fenômenos, realizando a interdependência como princípio da ecologia em todos os seus níveis, desde si mesmo até o universo como um todo. Podemos até sonhar que a paz do indivíduo será a paz do mundo, e a cura do indivíduo será a cura de Gaia.

Taís Fonseca
Educadora física, professora de Yoga, especialização em Arteterapia
www.fgaia.org.br
tatacristal@gmail.com
PORTO ALEGRE/RS



Ilustrações: Edição de arte a partir de fotos de
Eliana Lúcio, Wanderingspace.net e Adobe Images

Sobre amor e ecologia, leia também:
http://absoluta-amores.blogspot.com/2008/11/sejamos-ecolgicos-no-amor.html

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